Tarifaço de Trump: estado da arte e violação ao GATT

Tarifa de 50% desafia regras da OMC e levanta questionamentos jurídicos internacionais

Assistimos com preocupação e perplexidade a imposição de tarifa adicional de 40% para a importação de produtos brasileiros pelos Estados Unidos. A medida foi anunciada no último dia 31 de julho.

Essas ações teriam como fundamento a Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional (50 U.S.C. 1701 e seguintes) (IEEPA), a Lei de Emergências Nacionais (50 U.S.C. 1601 e seguintes), a seção 604 da Lei de Comércio de 1974, conforme emendada (19 U.S.C. 2483) e a seção 301 do título 3 do Código dos Estados Unidos.

A primeira sobretarifa de 10% foi veiculada pelo presidente Donald Trump na Ordem Executiva 14.257 de 2 de abril de 2025, para retificar práticas comerciais que contribuem para déficits comerciais anuais dos EUA. Alegou-se que o desequilíbrio do comércio internacional constituiria ameaça à segurança nacional e à economia dos EUA e resultaria uma emergência nacional.

Nesse primeiro ato, a tarifa de importação de produtos brasileiros era das menores, à alíquota de 10%, superior apenas àquela prevista para a União Europeia (0%). As maiores tarifas foram impostas a Mianmar, Laos (40%) e Síria (41%).

Mais recentemente, o presidente Trump assinou nova Ordem Executiva que impôs aos produtos brasileiros uma tarifa adicional de 40%, elevando o total da tarifa para 50%, para lidar com políticas, práticas e ações recentes do governo do Brasil que constituiriam uma ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, política externa e economia dos EUA.

Sustenta-se que haveria perseguição política imotivada contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, o que resultaria em violação aos direitos humanos. Cita, expressamente, ato do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, que constituiriam assédio aos seus opositores políticos e sanções em detrimento das empresas americanas que operam no Brasil.

Dos produtos brasileiros, foram excluídos da tarifa de 40%[1]:

  • Castanhas-do-brasil com casca, frescas ou secas (0801.21.00);
  • Polpa de laranja (2008.30.35);
  • Sucos de laranja congelados e não congelados, com diferentes especificações (2009.11.00, 2009.12.25, 2009.12.45);
  • Mica bruta (2525.10.00);
  • Minério de ferro, aglomerado e não aglomerado (2601.11.00, 2601.12.00);
  • Minério de estanho e concentrados (2609.00.00);
  • Diversos tipos de carvão, linhito, turfa, coque, gás de carvão e outros derivados minerais (códigos da seção 2701 a 2716);
  • Gases naturais, propano, butano, etileno, propileno, butileno, butadieno (2711.11.00 a 2711.29.00);
  • Matérias-primas de alumínio, silício, óxido de alumínio, potassa cáustica (2804.69.10, 2804.69.50, 2815.20.00, 2818.20.00);
  • Diversos produtos químicos, fertilizantes, cera, resíduos petrolíferos;
  • Madeira, cortiça aglomerada, polpa química de madeira, polpa de algodão, polpa de fibras vegetais, celulose (4407, 4504, 4702 a 4706);
  • Prata e ouro, na forma de lingote ou dore (7106.91.10, 7108.12.10);
  • Ferro-gusa, ligas de ferro, ferronióbio, e outros produtos primários de ferro e aço (7201 a 7203);
  • Linhas, tubos e conexões de uso industrial, vários tipos de metais, borracha e plásticos para aviação civil;
  • Diversos artigos de uso aeronáutico (pneus, motores, peças, turbinas etc. – “civil aircraft only”);
  • Insumos para papel, papelão, celulose, artefatos de papel/papelão;
  • Alguns tipos de pedras, fibras, crocidolita, amianto, misturas de fricção;
  • Fertilizantes minerais e químicos de diversos tipos (capítulo 31, códigos 3105.10.00, 3105.20.00, 3105.60.00).

O Brasil é um grande exportador de commodities. De acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior do MDIC[2] a tarifa de 50% será aplicada sobre 35,9% das exportações brasileiras para os Estados Unidos, o que correspondeu a US$ 14,5 bilhões em 2024. E 44,6% das vendas brasileiras para o mercado americano (US$ 18 bilhões em 2024) estão excluídas da cobrança adicional (polpa de laranja, sucos de laranja, celulose, gás natural, carvão e madeira), conforme rol acima.

Quase 20% das exportações brasileiras para os EUA, que são autopeças e produtos de ferro, aço ou alumínio estão sujeitas a tarifas específicas da seção 232, aplicadas a todos os países, independentemente da origem.

No entanto, a tarifa de 50% atingirá commodities importantes exportadas pelo Brasil para os EUA, como café, carnes, açúcar, peixes e frutos do mar, gorduras e óleos vegetais ou minerais e demais produtos alimentícios.

A imposição das tarifas por Trump será julgada em breve pelo Tribunal de Comércio Internacional nos EUA (V.O.S. case – Court N. 25-00066). Competirá ao tribunal decidir se o presidente americano pode declarar “estado de emergência” e cobrar as tarifas adicionais de importação, mas é provável que o caso seja levado à Suprema Corte dos Estados Unidos[3].

Além dessa, há outras três ações judiciais que discutem as sobretarifas impostas por Trump: Learing x Trump, State of California x Trump, Senator Susan Webber x US Homeland Security e Axle of Dearbon x Department of Commerce[4].

Além disso, a cobrança de tarifas de importação deve ser julgada pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), por violação à cláusula da nação mais favorecida, artigo I, do General Agreement on Trade and Tariffs (GATT).

A cláusula da nação mais favorecida obriga os Estados-membros da OMC a conferir a qualquer mercadoria ou bem originado ou destinado a outro Estado-membro da organização o mesmo tratamento fiscal aplicável a produtos similares originados ou destinados à nação mais favorecida, independentemente de sua origem, incondicional e imediatamente.

Garante que qualquer tratamento especialmente favorável, como uma vantagem, favor, imunidade ou privilégio – antes aplicável apenas a uma determinada categoria de produto, com certa origem ou certo destino – seja estendido a todos os produtos similares originados ou destinados a Estados-membros da OMC.

Esta cláusula, que era adotada em acordos comerciais com aplicabilidade limitada a grupos de Estados específicos, atualmente obriga todos os Estados-membros da OMC, de modo incondicional.

No Tratado do GATT, a cláusula da nação mais favorecida dispõe que seja dado o mesmo tratamento aplicável aos produtos e mercadorias originados ou destinados à nação mais favorecida em relação aos:

  • tributos incidentes sobre a importação ou exportação,
  • taxas e tarifas alfandegárias e outras despesas relacionadas à importação ou exportação;
  • transferência internacional de capital, a título de pagamento pela importação ou exportação de bens e mercadorias;
  • qualquer formalidade ou deveres instrumentais relacionados à importação e exportação de bens.

Consideram-se produtos similares aqueles que possuam as características físicas semelhantes e o mesmo uso ou destinação.

Exige, então, que os impostos de importação sejam idênticos para todos os países da OMC, independentemente origem ou destino. São exceções as medidas de salvaguarda ou direitos antidumping que podem ser cobrados de modo excepcional em circunstâncias específicas, para proteção da indústria nacional.

O artigo XX do GATT prevê a lista de exceções gerais, necessárias à proteção da moralidade pública, saúde, proteção de tesouros nacionais de valor artístico, histórico ou arqueológico, ouro e prata. E seu artigo XXI prevê exceções relativas à segurança, que garantem os interesses dos países quando essenciais à segurança interna, em caso de guerra ou grave tensão internacional, bem como para manter a paz e a segurança internacionais.

A justificativa para impor tarifa de 50% aos produtos brasileiros não se encaixa nas exceções gerais, nem nas exceções justificadas pela segurança dos artigos XX e XXI do GATT.

As exceções ao princípio da nação mais favorecida (art. I do GATT) são taxativas e devem ser interpretadas de modo restritivo. Assim sendo, há precedentes da OMC que impedem o tratamento discriminatório de produtos idênticos ou similares, por sua origem ou destino (Canadá – Autos, EC – Seal Products, Bananas e outros)[5].

O grande desafio enfrentado pelo Brasil será a eficácia das decisões da OMC, como veremos no próximo artigo.


[1] A lista completa detalha, por código tarifário HTSUS de 8 dígitos, todos os produtos específicos isentos. Em geral, minerais, produtos energéticos, metais básicos, fertilizantes, papel e celulose, alguns produtos químicos e bens para aviação civil estão isentos da tarifação adicional https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/2025/07/addressing-threats-to-the-us/

[2] https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2025/julho/nota-do-mdic-sobre-a-ordem-executiva-dos-eua-direcionada-as-exportacoes-brasileiras

[3] https://www.reuters.com/legal/government/what-happens-next-us-court-battle-over-trumps-tariffs-2025-08-04/

[4]  GONSALVES, Antone. 5 Court Cases that could derail Trump tariffs. https://www.supplychaindive.com/news/five-court-cases-derail-trump-tariffs/756116/

[5] A OMC solucionou disputas envolvendo o princípio da nação mais favorecida, Para mais informações: http://www.wto.org/english/res_e/booksp_e/analytic_index_e/gatt1994_01_e.htm#articleIC1c – página consultada em 20 de janeiro de 2005.logo-jota

Fonte: www.jota.info

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